Vamos falar de gordofobia? - A minha história gorda em forma de efeito sanfona

09:39 Gabi Delbem 3 Comments

Hoje eu li um texto na Revista AzMina ( De que maneiras você mulher magra ja me oprimiu - um trabalho fantástico que eu recomendo muito a leitura) que me inspirou muito pra dividir a minha história com vocês, e pra fazer uma das coisas que eu mais gosto de fazer na vida: P R O B L E M A T I Z A R <3

Desde que eu me entendo por gente (eu sou do circo mais ninguém entende) eu sou gorda, e pra mim isso sempre foi a pior coisa que poderia ter acontecido comigo. Ter nascido assim era o castigo mais cruel que a vida podia ter me dado e eu vivia procurando motivos pra entender o por que daquilo estar acontecendo comigo (eu perdi as contas de quantas vezes perguntei - ainda criança - pra minha mãe se ela me dava comida demais quando era bebê).

Sempre sendo comparada com as minhas primas, com as minhas coleguinhas da escola, com as minhas vizinhas, com as filhas dos amigos da família, com a menina meiguinha que passava do outro lado da calçada, comecei a perceber que talvez o mundo não tivesse sido feito pra mim e que eu era um incômodo simplesmente por existir. As brincadeiras idiotas na escola, começaram cedo, e eu me lembro muito bem de cada "coleguinha" que já me roubou alguma coisa e saiu correndo só pra ver a gordinha correr até ficar vermelha e sem ar. Lembro do  M E D O  que eu sentia quando chegava (de surpresa) o dia da pesagem na educação física. As lágrimas derrubas no banheiro, a  vergonha que eu sentia de ser eu. E isso se entendeu, obviamente. Uma das coisas que eu mais amo na vida é dançar, e se me lembro bem, a minha primeira aula de jazz (na escola mesmo) foi na primeira ou na segunda série do ensino fundamental. Me lembro de estar muito feliz, de dar meu melhor, de me sentir completa e realizada. Me lembro também de risos, de cochichos, de olhares de desprezo que eu recebia das mães e pais das minhas "coleguinhas" do jazz. Eu estragava a estética do grupo.

Minha primeira dieta (que eu me lembro) foi a "Reeducação Alimentar". Ideia dos meus pais. Claramente uma das piores experiências da minha vida. Eu estava na quarta série, eu acho. Era um grupo de pessoas que se reuniam semanalmente pra perder peso em conjunto. A pior parte era que eu estava seguindo a mesma dieta que ADULTOS. Eu era uma CRIANÇA. A sensação que eu tinha (e tive por toda a minha infância e adolescência) é que me responsabilizavam por ser gorda, e que como eu era "grande" já era um mini adulto. Nesse grupo toda semana rolava UM RANKING dos participantes: quem emagreceu mais tinha destaque e ganhava presentes. Eu ganhei uma vez e me lembro que guardei meu presente (um vaso de flores) como se fosse a coisa mais importante da minha vida. E era exatamente o que eles queriam que eu pensasse: que emagrecer era a coisa mais importante da minha vida. Daí pra frente, o histórico de dietas só aumentou.

Dieta das frutas, dieta da proteína, dieta da USP, dieta do leite, da sopa, da gelatina, da lua, do shake, do suco verde, do raio que o parta. Eu estava obcecada. Minhas dietas não duravam mais que dois dias, afinal eu era uma criança e precisava de energia pra brincar, estudar, pras aulas de dança e tudo mais. O tempo foi passando, fui crescendo e pela primeira vez na vida, em 2010 tive minha primeira perda drástica de peso: 9kg com a dieta da USP.  Minha família vibrou, meus amigos vibraram, eu vibrei. Ninguém se lembrou de como a dieta era ridiculamente restritiva e danosa pro meu corpo de 15 anos, mas todos elogiavam essa nova Gabriela. Linda. Eu me sentia linda, mas não o suficiente. Tomei gosto pela coisa. Aí começa uma história mais complicadinha, que muita gordinha conhece bem.

Eu percebi que se me restringia, emagrecia rápido, se fizesse Reeducação Alimentar, emagrecia devagar. Eu ja tinha esperado demais. Já tinha sofrido demais.Tava na hora de ser dona do mundo e não mais um incômodo. As dietas já nem tinham mais nome a ideia era comer o mínimo possível, cada vez menos. Me exercitava diariamente de forma desenfreada: corria, subia e descia mil vezes a mesma escada, caminhava, fazia academia, aulas de aeróbico. Os números na balança caíam freneticamente: de 90kg pra 75kg em menos de 3 meses. Sabem o que eu comia durante o dia? 3 tridents, uma lata de coca zero e litros e mais litros de água. As vezes uma fruta, as vezes uma salada e quando comia, me culpava e me entupia de laxantes já que nunca conseguia vomitar.  A gente sabe como isso chama, não sabe? Pois é. Distúrbio alimentar. Agora, vamos a uma questão importante: alguém percebeu pelo que eu estava passando? Não. E sabe por que? Por que as pessoas acham que anorexia é um tipo físico e não um distúrbio alimentar. Eu ainda era gorda demais pra ser anoréxica.

Olha essas perninhas finas

 Durante a minha vida ela foi e voltou, a anorexia. Em 2013, passei a me alimentar bem, e continuei a frequentar a academia, mas de uma forma mais saudável. Perdi uns quilos mas não via diferença alguma no meu corpo. Em 2014 namorei um cara que cozinha maravilhosamente bem e passei a comer muito bem. Na minha cabeça, só MUITO. Engordei vários quilos, cheguei a 97,5kg. A autoestima começou a cair, a ansiedade e a depressão batendo na minha porta e a anorexia com um pé ja dentro da casinha que é a minha mente. 2016 (SIM ESSE ANO) aprendendo mais sobre feminismo, aprendendo a amar meu corpo, mais uma recaída: uma semana quase sem comer, me entupindo de água e laxantes, mentindo sobre ter comido ou não e 5kg a menos. Olhando pra essa linha do tempo eu fico pensando se um dia isso vai acabar de vez. Eu espero que sim.



Dá pra entender o que aconteceu aqui? G O R D O F O B I A.
Sim. SIM. E dói. A nossa sociedade está construída pra não incluir gordos. Esse mundo pertence MUITO MENOS a mim do que as manas magras. Mais do que isso, tem gente que sente nojo de mim. Tem gente que acha que eu não tenho (e nem deveria ter) vida sexual ativa. Tem gente que acha que ta ok o namorado sair sozinho comigo pq eu sou gorda e não tem perigo dele querer me pegar. Tem gente que acha que eu sou uma piada e que me ver correndo é engraçado. Tem gente que acha que eu não deveria dançar pq eu estrago a estética do conjunto. Tem gente que torce o nariz quando o brother chega na minha melhor amiga e ele se sente obrigado a fazer caridade, e não quer sair no zero a zero. Tem gente que acha que eu tenho que ser legal e engraçada pq gorda chata tbm é demais. E PIOR DO QUE ISSO: tem horas que EU acho tudo isso.

A força coercitiva que essa preconceito exerce sobre nós, é inacreditável. Parafraseando a minha deusa Thami "A turma acha que feminista é 300% empoderada e um ser de luz que se ama o tempo todo, mas não.". E meu, como isso é grave. Como me irrita ter que perder um dia inteiro pensando em como eu queria sem magra e em como eu não preciso ter que pensar nisso. O processo de desconstrução da minha própria mente gordofóbica é difícil pra cacete e é uma bosta pensar que eu tenho que passar por ele. É uma bosta pensar que a sociedade me construiu pra odiar gordos, pra me odiar, pra querer, durante toda a minha vida, ser uma outra pessoa, morar num outro corpo, por que vivendo nesse aqui, eu não tenho espaço nesse mundo.
 


3 comentários:

  1. Del, lendo isso eu chorei. Chorei porque durante a maior parte desse tempo eu tava bem ali, do seu lado, e não percebi que tudo isso que acontecia era uma bosta. Lembro de quando você fez reeducação e como sofreu por isso, mas nunca passou pela minha cabeça que você podia ter tido um distúrbio alimentar alguma vez exatamente porque "a Del é tão de boa e desconstruída e livre". Saiba que você sempre mostrou muita força e me ensinou muita coisa já. Eu sempre fui melhor escrevendo do que falando (você sabe). Então espero de coração que esteja tudo bem e que você saiba que eu sempre vou estar aqui. Pra qualquer coisa. Te amo, amiga. E fica bem <3

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    1. Col, saiba que você não precisava saber pra estar me apoiando. Você lá, do meu lado já era de extrema importância pra mim. A gente caminhou lado a lado e aprendeu muito uma com a outra. Hoje eu encaro tudo isso com mais facilidade. As coisas estão se ajeitando com o tempo e minha alimentação tem mudando muito! Me considero miiil vezes mais saudável que antes e como bastante! Obrigada por estar comigo <3 Te amo MUITO!

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